20/12/2018

A irrupção do Mistério de Deus em nossa vida



Se, no domingo anterior, se podia dizer que os raios do Sol Iustitiae já abrasavam o horizonte, na liturgia de hoje (4º domingo), rodeada pelas antífonas “Ó” (2), se abrem as nuvens da madrugada. Irrompe em nossa humanidade, de modo indescritível e fascinante, a atuação definitiva do amor de Deus.

A oração do dia evoca todo o Mistério da Salvação, desde a anunciação do anjo a Maria até a Ressurreição do Cristo. O que celebramos no Natal não é apenas o nascimento de um menino, mas a irrupção da obra de Deus como realização definitiva da história humana.

A 1ª leitura tem o efeito de um aperitivo. Evoca o paradoxo da minúscula cidade de Belém, que, porém, é grande por causa de Javé, que cumprirá sua promessa de chamar novamente um “pastor” da casa de Jessé (pai de Davi). A pequena cidade toma-se sinal do plano inicial de Deus (“suas origens remontam a tempos antigos”; Mq 5,1). Não é a grandeza segundo critérios humanos, que é decisiva para Deus. Isso se mostra plenamente no mistério que se manifesta em Maria.

O evangelho de hoje (4º domingo) abraça dois extremos: a humildade de uma serva, que vai ajudar sua prima no fim da gravidez, reforçada nesta disponibilidade por estar ela mesma grávida; e a grandeza de seu Senhor, que ela exalta no júbilo do Magnificat. Esta complectio oppositorum revela o mistério de Deus nela. Sua prima, Isabel, ou melhor, o filho desta, João, ainda no útero, toma-se porta-voz deste Mistério. Pois ele é profeta, “chamado desde o útero de sua mãe”. Saltando no seio de sua mãe, aponta o Salvador escondido sob o coração de Maria. E Isabel traduz: “Tu és a mulher mais bendita do mundo e bendito é também o fruto de teu seio … Feliz és tu, que acreditaste”. Isabel sabe que o mistério de Deus só acontece onde é acolhido na fé, na confiança posta nele. Esta não é um frio e intelectual “Amém” a obscuridades lógicas, mas engajamento pessoal numa obra de dimensões insondáveis. Um risco: uma mocinha do povo carrega em si o restaurador da humanidade. Mas Maria conhece o modo de agir de Deus. O Magnificat o demonstra (vale ler mais do que somente as palavras iniciais). Deus opera suas grandes obras naqueles que são pequenos, porque não são cheios de si mesmos e lhe deixam espaço. O espaço de um útero virginal. O espaço de uma disponibilidade despojada de si.

O próprio enviado de Deus confirma esta maneira. “Eis-me que venho para fazer tua vontade”. Esta frase de Sl 40[39] realiza-se em plenitude no Servo por excelência, Jesus, que vem ao mundo para tomar supérfluos todos os sacrifícios e holocaustos, já que ele mesmo imola de modo insuperável sua existência, em prol dos seus irmãos (2ª leitura).

Serviço e grandeza, duas faces inseparáveis do Mistério de Deus cuja manifestação celebraremos dentro de poucos dias. Mistério do amor. Claro, amor é uma palavra humana. Deus é sempre mais do que conseguimos dizer. Dizem que o amor movimenta o mundo, mas é preciso ver de que amor se trata. O amor autêntico recebe sua força da doação. Num sentido infinitamente superior, se pode dizer isso de Deus também. O que aconteceu em Jesus no-lo revela. Este amor de Deus para os homens ultrapassa o que entendemos pelo termo amor, mas é um amor verdadeiro, comparável quase com o amor dos esposos, quando autêntico: os céus que fecundam a terra, Deus que cobre uma humilde criatura com sua sombra. A liturgia não tem medo destas imagens. Fecundada pelo orvalho do Céu, a terra se abre para que brote o Salvador.

(2) Sugerimos que se procure reaproveitar as tradicionais “antífonas Ó” (17 a 23 de dez.), por causa de sua densidade simbólica e valor musical.




Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Grifos: Sandra Regina Oliveira OFS (Redação - Pascom)
Imagem: Rafael Duarte (Coordenação - Pascom)

17/12/2018

Alegria por causa da proximidade de Deus




Quando a esperada vinda está finalmente para se realizar e todos os sinais a confirmam, a esperança e a preparação se transformam em alegria e júbilo. A curto prazo, a perspectiva da vinda transforma-se em antecipação da presença. Tal é o espírito do terceiro domingo do Advento. Neste ano C, é lido o texto que deu seu nome ao presente domingo: Gaudete, “Alegrai-vos” (FI 4, 4-7; 2ª leitura). O sentimento de viver na presença do Senhor deve produzir no cristão não apenas uma profunda alegria, mas também um novo tipo de relacionamento com seus irmãos humanos: O epieikes, o bom grado – o cristão não apenas tem alegria, mas é uma alegria para quem o encontra. Será verdade?

No evangelho, os que acolhem a pregação do Batista lhe pedem normas de comportamento em vista da vinda do Messias. Essas normas se resumem em uma só palavra: ser gente. Estamos acostumados demais a estes textos para lhes descobrir novidade. O normal que se esperaria do profeta e asceta seria: exercícios de penitência, jejum e cilício. Nada disso. Repartir aquilo que temos. Para os fiscais de imposto: serem honestos. Para os soldados: não molestar as pessoas e contentar-se com seu soldo. Ser gente, esta é a exigência quando o Reino de Deus acontece no meio de nós.
João sanciona essas orientações proclamando o significado decisivo do que está acontecendo e explica o sentido verdadeiro de seu sinal (seu “sacramento”), o batismo. É um sinal do verdadeiro batismo, que um mais forte do que ele vem administrar: o banho no Espírito e no fogo: no Espírito, para os justos, que serão impelidos pelo espírito de Deus, transformados em profetas (cf. Jl 3) e santos; no fogo, para os ímpios, que queimarão como o refugo na hora da ceifa. Pois o “mais forte” já está com a pá na mão para limpar o grão no terreiro.

Sofonias, numa linguagem que se aproxima do Segundo Isaías, proclama promessas de salvação. Javé revogou a sentença contra seu povo. Os povos felicitarão a “Filha (de) Sião”, Jerusalém, ou seja, o povo de Israel, porque Javé se revela no meio dela como um herói vencedor (1ª leitura).

Os textos de hoje (3º domingo) mostram bem o duplo sentido que a presença de Deus toma em nossa vida, em nosso mundo. A proximidade do Santo não é necessariamente terrível e mortal, como sugerem muitos textos do A.T., para o homem impuro. Para quem se converteu a Deus, sua proximidade é confirmação, força, razão de alegria. Quem dá a impressão de viver na presença de um Deus que o deprime, mostra uma falha em si mesmo. Quem, porém, se entregou a Deus e se sente bem com ele, é uma alegria para seus irmãos.

Isso vale também para a Igreja. Não podemos duvidar de que Deus está com ela. Mas será que ela está com Deus? Quando ela é um peso para os homens (não por sua exigência de fidelidade e virtuosa caridade, mas por seu egoísmo grupal, mesquinhez ou sei lá quê), ela mostra que a vinda de Deus não a transformou

A alegria de Deus só se torna palpável em nós, quando realmente o desejamos em nosso meio. Não será grande parte da “tristeza” do cristianismo a conseqüência de os cristãos não desejarem Deus como centro de sua vida, de sua comunidade, de sua “cidade”? Reis cristãos exerceram atroz opressão em nome de Cristo, porque seu interesse não era a vinda de Cristo, com sua boa-nova libertadora para os pobres (aclamação ao evangelho), mas a implantação do próprio poder. Era uma cristandade ambígua, sem desejo de Deus e, portanto, sem alegria em lhe servir. Ouvimos hoje um apelo para nos libertar de nossos egoísmos pessoais e grupais (Fl 4,6). Então, Deus será reconhecível como aquele que é forte em nós e em nosso meio, e nossa própria existência e comunidade será o Evangelho por excelência.




Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Grifos: Sandra Regina Oliveira Ofs (Redação - Pascom)
Arte: Rafael Duarte (Coordenação - Pascom)

11/12/2018

Preparação para a vinda do Senhor





Somos chamados a crescer até estarmos na altura de receber Deus; mas, nesse crescimento, a força que nos anima é o próprio fato de Deus se voltar para nós. O que faz um aluno crescer é a atenção que o professor lhe dedica. O que faz uma criança andar é a mão estendida de sua mãe. Por isso, nosso crescimento para a perfeição se alimenta da contemplação do Deus que vem até nós. Na liturgia de hoje (2º domingo), esta perspectiva é considerada, por assim dizer, a médio prazo (no próximo domingo será a curto prazo). Lucas situa no decurso da história humana o despontar do Reino de Deus, na atividade do Precursor, João Batista (evangelho). Ainda não se enxerga o “Sol da Justiça”, mas seus raios já abrasam o horizonte. A perspectiva é ainda distante, mas segura: “Toda a humanidade enxergará a salvação que vem de Deus” (Lc 3,6; cf. 1ª leitura). Para isso, João Batista prega um batismo que significa conversão, lembrando a renovação pelas águas do dilúvio, do Mar Vermelho, do Jordão atravessado por Josué.

João Batista usa a imagem do aplanar o terreno, abrir uma estrada para que o Reino de Deus possa chegar sem obstáculos. É a imagem com a qual o Segundo Isaías anunciou a volta dos exilados, liderados por Deus mesmo (Is 40,3-4; 42,16-17 etc.) e que, mais tarde, o livro de Baruc utilizou para incentivar a “conversão permanente” do povo à confiança em Deus (Br 5,7; 1ª leitura). Deus realiza sua obra, convoca seus filhos de todos os lados (Br 3,4), deixa sua luz brilhar sobre o mundo inteiro (3,3). A volta do Exílio foi prova disso (cf. salmo responsorial). Mas agora, anuncia João, vem a plenitude. Agora é preciso “aplanar” radicalmente o caminho no coração da gente.

A oração do dia fala no mesmo sentido: tirar de nosso coração todas as preocupações que possam impedir Deus de chegar até nós. Alguém pode entender isso num sentido individual. Mas não só isso. Vale também para a sociedade. Devemos tirar os obstáculos do homem e das estruturas que o condicionam. Renovação interior de cada um e renovação de nossa sociedade são as condições que a chegada do Reino, a médio prazo, nos impõe.

Portanto, o Reino não age sem nós. Não somos nós que o fazemos, mas oferecemo-lhe condições de se implantar, como um governo oferece condições a indústrias de fora para se implantar. Só que, no caso do Reino, podemos contar com os lucros do investimento … Estes lucros são “o fruto da justiça” de que Paulo fala (Fl 1,11; 2ª leitura). O Reino de Deus não vem somente pedir contas de nós; leva-nos a produzir, para nosso bem, o que Deus ama (pois ele nos ama).

O Reino já começou sua produção entre nós, desde a primeira vinda de Jesus. Porém, fica ainda para se completar. O que João pregou naquela oportunidade continua válido enquanto a obra não for completada. Somente, estamos numa situação melhor do que os ouvintes de João. Nós já podemos contemplar os frutos da justiça brotados de um verdadeiro cristianismo. Seja isso mais uma razão para dar ouvido à sua mensagem. Na medida em que transformarmos nossa existência histórica em fruto do Reino, entenderemos melhor a perspectiva que transcende nossa história, a plenitude cuja esperança celebramos em cada Advento (oração final).




Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Grifos e breve adaptação: Sandra Regina Oliveira OFS (Redação - Pascom)
Arte: Rafael Duarte (Coordenação - Pascom)

04/12/2018

Caminhar ao Encontro do Senhor que vem


Quando se aproxima uma visita esperada, a maioria das pessoas não dorme muito bem. Quando a visita é temida, as pessoas ficam inquietas. Quando é desejada, ficam agitadas … Porém, há uma diferença: a tensão do medo paralisa, a tensão do desejo desperta a criatividade. O evangelho de hoje (1º domingo) alude às duas atitudes. Anuncia cataclismos cósmicos, que encherão os homens de medo (Lc 21,26). Mas para os cristãos tudo isso significa: “Coragem: vossa salvação chegou!” (21,28). Por isso, o cristão vive à espera “daquele dia” num espírito de “sóbria ebriedade”, fazendo coisas que ninguém faria, mas sabendo muito bem por quê.

Ora, nós esperamos uma visita querida e ficaríamos muito penados se o visitante não nos encontrasse despertos para sua vontade, mas apenas ocupados com nossas próprias veleidades. Como a moça que espera seu namorado chegar não mais pensa em suas próprias coisas, mas está toda em função dele, assim nós já não vivemos para nós, mas para ele que por nós morreu e ressuscitou (para vir novamente até nós).

Paulo descreve maravilhosamente essa realidade na sua carta escatológica por excelência, a 1 Ts (2a leitura). Na ânsia pela vinda do Senhor, sempre podemos crescer mais, e é Ele que nos deixa crescer, para que sua chegada seja preparada do modo mais perfeito possível.

A idéia do crescimento é muito valiosa em nossa vida cristã. É o remédio contra o desespero e contra a acomodação: contra o desespero de quem acha que sempre será inaceitável para Deus; e contra a acomodação dos que dizem: “Ninguém é perfeito: portanto …” Não somos perfeitos, mas nem por isso a perfeição deixa de ser nossa vocação. O caminho do cristão não consiste em uma perfeição alcançada e acabada, mas numa contínua conversão para a santidade de Deus, que é sempre maior do que nós. O importante é nunca ficarmos satisfeitos com o que fizemos e somos, mas cada dia de novo procurar voltar daquilo que foi errado e progredir naquilo que foi bom.

Assim, a idéia do dia definitivo não paralisa o cristão, mas o torna inventivoDesinstalaQuem acha que já não precisa mudar mais nada em sua vida, não é bem cristão. Alguém pode achar que está praticando razoavelmente bem os deveres para com sua família, em termos de educação; para com seus empregados, em termos de salário; para com sua esposa, em termos de carinho e fidelidade; e até para com a Igreja, em termos de contribuição para suas necessidades financeiras; estando entretanto cego por aquilo que lhe é exigido para estruturar melhor a sociedade, para que a justiça seja promovida e não contrariada. Tal pessoa deve ainda crescer muito. E ai se não quiser! Um jovem, por outro lado, pode perguntar-se, com o salmista: “Como pode um jovem conservar puro seu caminho?” Cresça, que aprenderá sempre melhor em que consiste a verdadeira pureza. Só nunca se contente com um “padrão aceitável” para a “sociedade”.

Portanto, a liturgia de hoje (1º domingo) nos ensina o dinamismo do crescimento cristão, com vistas ao reencontro definitivo com nosso Senhor. Desde o primeiro domingo, marca a existência cristã com este sentido.

O homem e a sociedade sempre podem ser renovados. A 1ª leitura nos lembra essa verdade fundamental. Jerusalém, no tempo pós-exílico, era não tanto o monte de Javé quanto um montão de problemas. Mas mesmo assim lhe é prometido um novo nome, sinal de uma realidade nova: “Deus nossa justiça” (Jr 33, 16). Este texto confere, portanto, à expectativa cristã um toque comunitário. Assim podemos interpretar também a expressão da oração do dia, que pede para que alcancemos o reino celestial. Num reino, ninguém está só. Daí ser legítima a tradução do missal brasileiro: “a comunidade dos justos”. Um novo nome para Jerusalém, uma utopia válida para todos nós, eis o que nos impele ao encontro do Senhor que vem.




Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Grifos e leve adaptação: Sandra Regina Oliveira OFS (Redação - Pascom)
Arte: Rafael Duarte (Coordenação - Pascom)

Celebração do Jubileu de Diamante

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