04/04/2019

Sermão de Santo Antônio: Quaresma, tempo de misericórdia, a misericórdia de Deus





Sede misericordiosos como misericordioso é vosso Pai. Não julgueis e não sereis julgados. Não condeneis e não sereis condenados. Perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado” (Lc 6,36-38). 


Observe-se que nesta parte do Evangelho estão em evidência cinco mandamentos muito importantes:


  • Ter misericórdia
  • Não julgar
  • Não condenar
  • Perdoar 
  • Dar. 

Queremos encontrar a concordância de tudo isso com cinco contos do segundo livro dos Reis (ou segundo livro de Samuel). Primeiro mandamento. “Sede misericordiosos como misericordioso é vosso Pai!”. É chamado de misericordioso quem sofre partilhando da miséria dos outros. Esta “compaixão” é chamada “misericórdia” porque torna o “coração mísero” (em latim: misericordia, miserum cor) sofrendo com a miséria do outro. Em Deus, ao contrário, a misericórdia é “sem a miséria do coração”. Com efeito, a misericórdia de Deus diz-se “comiseração” (em latim miseratio, como se quisesse dizer “ação de misericórdia” (em latim misericordiae actio). Neste sentido é que o Senhor diz: Sede misericordiosos.


Tríplice da Misericórdia

E observe-se que, como é tríplice a misericórdia do Pai celeste com relação a ti, assim também, de três modos deve ser tua misericórdia com relação ao próximo. A misericórdia do Pai é graciosa, espaçosa e preciosa. Graciosa porque purifica dos vícios. Diz o Eclesiástico: “Cheia de graça é a misericórdia de Deus no tempo da tribulação, como as nuvens portadoras de chuva no tempo da seca” (35,26). No tempo da tribulação, isto é, quando a alma, atormentada por causa de seus pecados, é inundada pela chuva da graça que a restaura e lava e cancela os pecados. Espaçosa porque se alarga com o tempo e se expande nas obras boas. Com efeito, diz o Salmo: “A tua misericórdia está diante de meus olhos e me alegro com a tua verdade” (25,3) porque até para mim tornou-se odiosa a minha maldade. Preciosa nas delícias da vida eterna, da qual diz Ana no livro de Tobias: “Quem te honra tem a certeza de que, se sua vida foi colocada à prova, será coroado; se passou através das tribulações, será libertado; se foi oprimido e perseguido, ser-lhe-á concedido entrar na tua misericórdia” (3,21).

A propósito diz o profeta Isaías: “Eu me lembrarei das misericórdias do Senhor e hei de louvar o Senhor por todas as coisas que tem feito por nós e pela multidão de benefícios por ele feitos à casa de Israel, segundo a sua benignidade e segundo a multidão de seus atos de misericórdia” (63,7). A tua misericórdia para com o próximo também deve ser de três modos:


  • deves perdoá-lo, se ele pecou contra ti,
  • deves instruí-lo, se ele se desviou do caminho da verdade,
  • deves restaurar suas forças, se ele for um faminto.


No primeiro caso, diz Salomão: “É por meio da fé e da misericórdia que são expiados os pecados” (Pr 15,27). No segundo caso, diz Tiago: “Quem fizer um pecador converter-se de sua vida de pecado, salvará sua alma da morte e cobrirá uma multidão de pecados”(Tg 5,20). No terceiro caso, enfim, diz o Salmo: “Bem-aventurado aquele que tem cuidado do indigente e do pobre” (40,2). Portanto, é com muito boa razão que se diz: “Sede misericordiosos como misericordioso é o vosso Pai!

Concorda com tudo isso aquilo que lemos no segundo livro dos Reis onde se conta que Davi disse a Merib-Baal: “Não temas, porque quero tratar-te com misericórdia por amor a Jônatas, teu pai. Te restituirei todos os campos de Saul, teu avô e tu comerás sempre o pão junto à minha mesa” (2R 9,7=2Sm 9,7). Neste passo é indicada a tríplice misericórdia que se deve ter para com o próximo. Primeiro, quando diz: “por amor de Jônatas”, quer dizer, por amor de Jesus Cristo, o qual disse: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Com respeito àquele que peca contra ti, deves usar de misericórdia com o coração e com a boca, para perdoá-lo com a boca e com o coração. Em segundo lugar, quando acrescenta: “Restituirei a ti todos os campos de Saul, teu avô”. Campo em latim se diz ager, da palavra ágere que quer dizer fazer, porque nele se faz alguma coisa e simboliza a graça infusa com a unção no batismo: o batizado a recebe para exercitá-la depois nas obras boas. Mas quando Saul, isto é , a alma ungida com o óleo da fé, morre por causa do pecado, então perde a graça e tu lhe restituis quando convertes o batizado de sua vida de pecado. Em terceiro lugar, quando conclui: “E tu comerás sempre o pão junto à minha mesa”. Com efeito, diz Salomão: “Se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber”( Rm 12,20 = Pr 25,21). Por isso é com muito boa razão que se diz: “Sede misericordiosos”.


Exemplo das Aves Grous

Portanto: sejamos misericordiosos imitando aquelas aves chamadas grous, das quais se diz que, quando querem chegar a um dado lugar, voam bem alto, quase como querendo localizar, a partir de um observatório mais alto, o território a ser alcançado. Aquela que conhece o percurso vai à frente do bando, sacode-lhe a fraqueza do vôo animando com sua voz. E, se a primeira perde a voz ou fica rouca, imediatamente entra uma outra. Todas têm um grande cuidado para com aquelas que se cansam, de modo que, se alguma estiver cansada, todas se unem, sustentam aquelas cansadas até que com o descanso recuperem as forças. Mesmo quando estão no chão, o cuidado delas não diminui: dividem-se os turnos de guarda de modo que uma sobre dez esteja sempre acordada vigiando. As que estão vigiando ficam segurando nas patas uns pequenos pesos que, se eventualmente caem no chão, logo as avisam que estão cochilando e as acordam. Um grito dá o alarme se surgir um perigo a ser evitado.

Essas aves-grous fogem diante dos morcegos. Sejamos, portanto, misericordiosos como essas aves grous: colocados num observatório mais alto da vida, preocupemo-nos por nós e pelos outros. Sirvamos de guias para quem não conhece o caminho. Com a voz da pregação animemos os preguiçosos, sacudamos os indolentes. Façamos a troca na hora do cansaço, porque, sem alternar o cansaço com o descanso, ninguém consegue resistir por muito tempo. Carreguemos nos ombros os fracos e os doentes para que não venham a cair no meio do caminho. Sejamos vigilantes na oração e na contemplação do Senhor. Seguremos com firmeza entre os dedos a pobreza do Senhor, a sua humildade e a amargura da sua paixão. E se algo de imundo quiser insinuar-se em nós, gritemos logo por socorro e, sobretudo, fujamos dos morcegos, isto é, da vaidade cega do mundo.


E por tudo isso, rezemos:

Senhor Jesus Cristo, Pai misericordioso, infundi em nós a vossa misericórdia para que também nós a usemos para conosco e para com os outros, não julgando nunca a ninguém, não condenando nunca a ninguém, perdoando sempre a quem nos ofende e dando sempre nós mesmos e nossas coisas a quem nos pedir. E tudo isso no-lo conceda o próprio Senhor que é bendito e glorioso, pelos séculos dos séculos. Amém.


(Sermones, Pádua, 1979, Volume I, pp. 459-461) Tradução: Frei Geraldo Monteiro, OFM Conv
Adaptação/Grifos: Sandra Regina de Oliveira OFS



12/03/2019

Papa: Quaresma, tempo para reencontrar a rota da vida




Cidade do Vaticano

O Papa Francisco presidiu a missa de imposição das Cinzas, nesta quarta-feira (06/03), na Basílica de Santa Sabina, no bairro Aventino, em Roma.

Antes da missa, o Pontífice guiou a procissão penitencial que iniciou na Igreja de Santo Anselmo, no Aventino, até a Basílica de Santa Sabina.

«Toquem a trombeta em Sião, proclamem um jejum». Com esse versículo do livro do Profeta Joel, Francisco iniciou sua homilia, sublinhando que a “Quaresma tem início com um som estridente: o som duma trombeta que não acaricia os ouvidos, mas proclama um jejum”.



Despertador da alma

É um som intenso, que pretende abrandar o ritmo da nossa vida, sempre dominada pela pressa, mas muitas vezes não sabe bem para onde vai. É um apelo a deter-se para ir ao essencial, a jejuar do supérfluo que distrai. É um despertador da alma”, frisou o Papa.

Segundo o Pontífice, “ao som desse despertador, segue-se a mensagem que o Senhor transmite pela boca do profeta, uma mensagem breve e premente: «Voltem para Mim»”.



Rota da vida

Se devemos voltar, isso significa que a direção seguida não era justa. A Quaresma é o tempo para reencontrar a rota da vida. Com efeito, no caminho da vida, como em todos os caminhos, aquilo que verdadeiramente conta é não perder de vista a meta.

Quando na viagem o que interessa é ver a paisagem ou parar para comer, não se vai longe
.”

Francisco convidou cada um de nós a fazer-se algumas perguntas: “No caminho da vida, procuro a rota? Ou contento-me de viver o dia a dia, pensando apenas em sentir-me bem, resolver alguns problemas e divertir-me um pouco? Qual é a rota? Talvez a busca da saúde, que hoje muitos dizem vir em primeiro lugar, porém, mais cedo ou mais tarde faltará? Porventura a riqueza e o bem-estar?

Mas não é para isso que estamos no mundo. Voltem para Mim, diz o Senhor. Para Mim: o Senhor é a meta da nossa viagem no mundo. A rota deve ser ajustada na direção d’Ele”, disse ainda o Papa.

Hoje, para encontrar a rota, nos é oferecido um sinal: as cinzas na testa”, sublinhou Francisco.

É um sinal que nos faz pensar no que temos na cabeça. Os nossos pensamentos seguem coisas passageiras, coisas que vão e vêm. As cinzas que receberemos nos dizem, com delicadeza e verdade, que das muitas coisas que temos na cabeça, atrás das quais corremos e nos afadigamos diariamente, não restará nada.



Cultura da aparência

As realidades terrenas dissipam-se como poeira ao vento. Os bens são provisórios, o poder passa, o sucesso declina. A cultura da aparência, hoje dominante e que induz a viver para as coisas que passam, é um grande engano. Pois é como uma fogueira: uma vez apagada, ficam apenas as cinzas”, frisou.

O Papa disse que a “Quaresma é o tempo para nos libertarmos da ilusão de viver correndo atrás da poeira. Quaresma é redescobrir que somos feitos para o fogo que arde sempre, não para a cinza que imediatamente desaparece; para Deus, não para o mundo; para a eternidade do Céu, não para o engano da terra; para a liberdade dos filhos, não para a escravidão das coisas. Hoje, podemos nos perguntar: De que parte estou? Vivo para o fogo ou para as cinzas?



Esmola, oração e jejum

Segundo Francisco, nessa viagem de retorno ao essencial “o Evangelho propõe três etapas, que o Senhor pede para percorrer sem hipocrisia nem ficção: a esmola, a oração e o jejum”.

A esmola, a oração e o jejum nos reconduzem às únicas três realidades que não se dissipam. A oração nos une a Deus; a caridade, ao próximo; o jejum, a nós mesmos. Deus, os irmãos, a minha vida: eis as realidades que não terminam no nada e sobre as quais é preciso investir.”

A Quaresma nos convida a olhar “para o Alto, com a oração”, que liberta de uma vida chata “onde se encontra tempo para si, mas se esquece de Deus”, e depois a olhar “para o outro, com a caridade, que liberta da nulidade do ter, de pensar que as coisas estão bem se para mim tudo vai bem”.

A Quaresma nos convida “a olhar para dentro de nós mesmos, com o jejum, que liberta do apego às coisas, do mundanismo que anestesia o coração. Oração, caridade, jejum: três investimentos num tesouro que dura”.

Ao longo do caminho da Quaresma, devemos fixar o olhar no Crucificado. “Jesus na cruz é a bússola da vida que nos orienta para o Céu. Da cruz, Jesus nos ensina a coragem esforçada da renúncia. Precisamos nos libertar dos tentáculos do consumismo e dos laços do egoísmo, do querer sempre mais, do não nos contentarmos nunca, do coração fechado às necessidades do pobre. Jesus, no lenho cruz, nos chama a uma vida inflamada por Ele, que não se perde entre as cinzas do mundo; uma vida que arde de caridade e não se apaga na mediocridade”, concluiu Francisco.




Texto: Vatican News
Adaptação/Grifos: Sandra Regina Oliveira OFS

20/02/2019

Carlo Acutis, um apaixonado pela internet e pela Eucaristia




No dia 5 de julho de 2018, o Papa Francisco autorizou a promulgação do decreto de virtudes heroicas de três jovens: a espanhola Alexia González-Barros, o italiano Pietro Di Vitale e o anglo-italiano Carlo Acutis, que morreu aos 15 anos, em outubro de 2006, devido a uma leucemia agressiva.


Carlo Acutis morreu em outubro de 2006, quando tinha 15 anos, devido a uma leucemia agressiva. O jovem, nascido em Londres, de pais milaneses, comoveu familiares e amigos por oferecer todos os seus sofrimentos devidos à doença pela Igreja e pelo Papa.

Desde que, com sete anos, fez a Primeira Comunhão, nunca mais perdeu o encontro quotidiano com a Santa Missa. Antes ou depois da celebração eucarística, permanecia em frente do sacrário para adorar o Senhor no Santíssimo Sacramento. Nossa Senhora era a sua grande confidente e nunca se esquecia de a honrar rezando todos os dias o terço.
A modernidade e a atualidade de Carlo – explicava o Cardeal Angelo Comastri – harmonizam-se perfeitamente com a sua vida eucarística e com a sua devoção mariana, que contribuíram para fazer dele um rapaz muito especial que todos admiravam e amavam.

Carlo costumava dizer aos seus amigos: A nossa meta deve ser o infinito, não o finito. O infinito é a nossa pátria. O céu espera-nos desde sempre. Também é sua a frase: “Todos nascem como seres originais mas muitos morrem como fotocópias”. Para se dirigir a esta meta e não “morrer como fotocópia”, Carlo explicava que a nossa bússola deve ser a palavra de Deus, com a qual nos devemos confrontar. No entanto, para atingir uma meta tão alta são necessários meios muito especiais: os sacramentos e a oração. Carlo colocava no centro da sua vida o sacramento da Eucaristia, a que chamava “a minha autoestrada para o Céu”.


Uma das paixões de Carlo era a informática, de tal maneira que os seus amigos e adultos licenciados em engenharia informática o consideravam um gênio. Os interesses de Carlo iam da programação de computadores, montagem de filmes, criação de sites à criação de boletins informativos - em relação aos quais cuidava a redação e a apresentação gráfica – ao voluntariado a favor dos mais necessitados, das crianças e dos idosos. Criou um site para difundir a devoção eucarística na internet.

Este jovem fiel da diocese de Milão, antes de morrer, afirmava: “estar sempre unido a Jesus, este é o meu projeto de vida”. Com estas poucas palavras, na fase final da sua leucemia, traça um quadro caraterístico da sua breve existência: viver em Jesus, para Jesus, em Jesus.

“Estou contente por morrer porque na minha vida não estraguei nem um instante em coisas que não agradassem a Deus”. Tal como explicava também o Cardeal Comastri: “Carlo pede-nos o mesmo, também a nós: pede-nos para transmitirmos o Evangelho com a nossa vida, para que cada um de nós possa ser um farol que ilumine o caminho dos outros”.



Foto/Imagem: Vatican News
Adaptação/Grifo: Sandra Regina Oliveira OFS - Redação Pascom

13/02/2019

Papa: Na oração cristã não há espaço para o 'eu'


"No diálogo com Jesus, não deixamos o mundo fora da porta do nosso quarto... levamos as pessoas e situações em nosso coração!"




Cristiane Murray – Cidade do Vaticano

Na catequese pronunciada esta quarta-feira (13/02), o Papa propôs uma reflexão sobre o ‘Pai Nosso’, explicando como rezar melhor a oração que Jesus nos ensinou.
A Sala Paulo VI, dentro do Estado do Vaticano, ficou repleta de fiéis, romanos e turistas que receberam o Papa com o carinho de sempre, cantos e aplausos e em seguida, ouviram suas palavras com atenção.

Introspecção do diálogo com Jesus

Para rezar - iniciou o Papa - são necessários silêncio e introspecção.

“A verdadeira oração se realiza no segredo na consciência, do fundo do coração: com Deus é impossível fingir, é como o olhar de duas pessoas, o homem e Deus, quando se cruzam”. Mas apesar disso, Jesus não nos ensina uma oração intimista ou individualista. Não deixamos o mundo fora da porta do nosso quarto... levamos as pessoas e situações em nosso coração!



“ Na oração do Pai Nosso, há uma palavra que brilha pela sua ausência: uma palavra que em nossos tempos – como talvez sempre – todos consideram importante: a palavra ‘eu'. ”

Primeiramente nos dirigimos a Deus como a Alguém que nos ama e escuta (seja santificado o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade) e, depois, quando lhe apresentamos uma série de petições (dai-nos hoje o nosso pão cotidiano, perdoai as nossas ofensas, não nos deixeis cair em tentação, livrai-nos do mal), as fazemos na primeira pessoa do plural – “nós” – isto é, rezamos como uma comunidade de irmãos e irmãs.



“Até as necessidades mais elementares do homem – como ter alimento para saciar sua fome – são todas feitas no plural. Na oração cristã, ninguém pede o pão para si, mas o suplica para todos os pobres do mundo”, disse Francisco.

Pedir a Jesus que nos faça ter compaixão

Na oração, o cristão leva todas as dificuldades e sofrimentos de quem está ao seu lado, tanto dos amigos como de quem lhe faz mal, imitando a compaixão que Jesus sentia pelos pecadores.
Mas pode acontecer – ressalvou o Papa – que alguém não perceba o sofrimento a seu redor, não sinta pena pelas lágrimas dos pobres, fique indiferente a tudo. Isto significa que seu coração está petrificado. Neste caso, seria bom pedir ao Senhor que o toque com o seu Espírito e sensibilize seu coração.


“ Cristo não ficou alheio às misérias do mundo. Toda vez que percebia uma solidão, uma ferida no corpo ou no espírito, sentia forte compaixão. ”

Às 7 mil pessoas presentes, o Papa perguntou: “Quando rezamos, nos abrimos ao grito de tanta gente, próxima ou distante? Ou penso na oração como uma espécie de anestesia, para ficar mais tranquilo? Isto seria um terrível equívoco”.


A oração deve abrir o coração ao próximo para que amemos com um amor compassivo e concreto, sabendo que tudo aquilo que fizermos “a um destes meus irmãos mais pequeninos, -afirma Jesus - foi a mim mesmo que o fizestes”.




Imagem e Texto: Vatican News
Adaptação/Grifos: Sandra Regina Oliveira OFS - Redação Pascom


23/01/2019

Festa da Conversão de São Paulo



¹A festa litúrgica da conversão de são Paulo apareceu no século VI e é própria da Igreja latina. O martírio do Apóstolo dos gentios é comemorado no dia 29 de junho. A celebração do dia 25 de janeiro tem por finalidade considerar as várias facetas do Apóstolo por excelência. Ele diz de si mesmo: “Eu trabalhei mais que todos os apóstolos…”, mas também: “Eu sou o menor dos apóstolos… não sou digno de ser chamado apóstolo”.

Apresenta, ele mesmo, as credenciais: viu o Senhor, Cristo Ressuscitado lhe apareceu, ele é testemunho da Ressurreição de Cristo, foi enviado diretamente por Cristo. É como um dos Doze. Pertence a Jesus desde aquela hora em que, no caminho de Damasco, vencido por Cristo e prostrado em terra perguntou-lhe: “Senhor, que queres que eu faça?” Paulo então passou a pregar e propagar a fé que desejava exterminar. Em poucos segundos de contato direto Jesus o transformou de ferrenho perseguidor no maior Apóstolo do seu Evangelho em todos os tempos.

Essa experiência de Cristo às portas de Damasco, que ele compara com a experiência dos Doze na Páscoa e com o fulgor da primeira luz da criação, será o estribilho da sua pregação oral e escrita. Nas suas 13 epístolas que escreveu, percebemos o efeito da graça do caminho de Damasco, impossível de entender como alucinação ou simples fato psicológico. Aí está o dedo de Deus, o milagre.

São Paulo tirou da sua experiência esta consoladora conclusão: “Jesus veio a este mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro. Precisamente por isso encontrei misericórdia. Em mim especialmente Jesus Cristo quis mostrar toda a sua longanimidade, para que eu sirva de exemplo a todos os que pela fé nele alcançarão a vida eterna”. “Conheço um homem em Cristo que foi arrebatado até ao terceiro céu. Se no corpo ou fora do corpo, não sei. Deus o sabe. Só sei que esse homem ouviu palavras inefáveis…”. (2Cor 12,2).


² Alguns versículos referentes às cartas de São Paulo:

Porque Deus não faz acepção de pessoas (Rm 2,11).
Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça; Para que, assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor (Rm 5:20-21).
Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. (Rm 7, 19)
Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? (Rm 8, 35)
Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12, 20-21).
Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes sejais unidos em um mesmo pensamento e em um mesmo parecer (1 Cor 1, 10).
Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso; Seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro; tudo é vosso, E vós de Cristo, e Cristo de Deus (1 Cor 3, 21-23).
Vós fostes chamados à liberdade, irmãos. Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a carne, mas, pela caridade, colocai-vos a serviço uns dos outros (Gl 5, 13). 
Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem (Ef 4, 29).
Antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo (Ef 4,32).
Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho (Fl 1:27).



¹Extraído do livro: Um santo para cada dia, de Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini. Paulus

² Bíblia



Adaptação/Grifos: Sandra Regina de Oliveira OFS - Redação Pascom
Imagem: Ícone Conversão Paulo (Busca Google)

18/01/2019

Padroeiro: São Sebastião, do Rio de Janeiro/RJ



São Sebastião nasceu em Narvonne, França, no final do século III, e desde muito cedo seus pais se mudaram para Milão, onde ele cresceu e foi educado. Seguindo o exemplo materno, desde criança São Sebastião sempre se mostrou forte e piedoso na fé.

Nessa época, a região era dominada pelo Imperador Diocleciano, que, como seus antecessores, perseguia os cristãos por estes serem considerados inimigos do Estado.

Atingindo a idade adulta, alistou-se como militar, nas legiões do Imperador Diocleciano, que até então ignorava o fato de Sebastião ser um cristão de coração. A figura imponente, a prudência e a bravura do jovem militar, tanto agradaram ao Imperador, que este o nomeou comandante de sua guarda pessoal.

Mas, secretamente valendo-se de seu alto posto militar, Sebastião fazia visitas frequentes aos cristãos que se encontravam presos para serem levados ao Coliseu, em que seriam devorados por leões ou mortos em lutas com os gladiadores, para o puro deleite dos romanos. Com palavras de consolo e de ânimo — fazendo-os acreditar na salvação da vida após a morte, segundo os princípios do cristianismo —, Sebastião ajudava os prisioneiros a enfrentar o martírio que os aguardava.

Enquanto o imperador empreendia a expulsão de todos os cristãos do seu exército, Sebastião foi denunciado por um soldado. Diocleciano sentiu-se traído, e ficou perplexo ao ouvir do próprio Sebastião que era cristão. Tentou, em vão, fazer com que ele renunciasse ao cristianismo, mas Sebastião com firmeza se defendeu, apresentando os motivos que o animava a seguir a fé cristã, e a socorrer os aflitos e perseguidos.

Diocleciano, então, deu ordem a seus soldados para o alvejarem com flechadas e depois o deixarem sangrar até morrer. Vem daí a imagem imortalizada do santo, amarrado a um tronco e com o corpo perfurado por flechas.

Após a ordem ser executada, Sebastião foi dado como morto e ali mesmo abandonado, pela mesma guarda pretoriana que antes chefiara. Entretanto, quando uma senhora cristã foi até o local à noite, pretendendo dar-lhe um túmulo digno encontrou-o vivo! Levou-o para casa e tratou de suas feridas até vê-lo curado.

Depois, cumprindo o que lhe vinha da alma, ele mesmo se apresentou àquele imperador anunciando o poder de Nosso Senhor Jesus Cristo e censurando-o pelas injustiças cometidas contra os cristãosacusando-o de inimigo do Estado. Perplexo e irado com tamanha ousadia, o sanguinário Diocleciano o entregou à guarda pretoriana após condená-lo, desta vez, ao martírio no Circo. Sebastião foi executado então com pauladas e boladas de chumbo, sendo açoitado até a morte, no dia 20 de janeiro de 288.Uma piedosa mulher, Santa Luciana, sepultou-o nas catacumbas. Mais tarde, no ano de 680, suas relíquias foram solenemente transportadas para uma basílica construída pelo Imperador Constantino, e onde se encontram até hoje.

Naquela ocasião, Roma estava assolada por uma terrível peste, que vitimou muita gente. Entretanto, tal epidemia desapareceu a partir da hora da transladação dos restos mortais desse mártir, que é venerado como o padroeiro contra a peste, fome e guerra.
As cidades de Milão, em 1575 e Lisboa, em 1599, acometidas por pestes epidêmicas, se viram livres desses males, após atos públicos suplicando a intercessão deste grande santo.

São Sebastião é também muito venerado em todo o Brasil, onde ele é padroeiro, como o Rio de Janeiro.

No Brasil, diz a tradição, que no dia da festa do padroeiro, em 1565, ocorreu a batalha final que expulsou os franceses que ocupavam a cidade do Rio de Janeiro, quando São Sebastião foi visto de espada na mão entre os portugueses, mamelucos e índios, lutando contra os invasores franceses calvinistas.



Grifos/Adaptação: Sandra Regina de Oliveira OFS - Redação Pascom
Foto/Imagem: Rafael Duarte - Pascom

09/01/2019

Papa: só encontra o mistério de Deus quem deixa os apegos mundanos

Vatican Media


Cidade do Vaticano

O Papa Francisco celebrou a missa, na Basílica de São Pedro, neste domingo (06/01), Solenidade da Epifania do Senhor.

Epifania: esta palavra indica a manifestação do Senhor, que se revela, como diz São Paulo, na segunda Leitura, aos gentios, hoje representados pelos Magos. Desvenda-se, assim, a verdade sublime que Deus veio para todos: todas as nações, línguas e povos são acolhidos e amados por Ele. Símbolo disso é a luz, que tudo alcança e ilumina”, disse o Pontífice em sua homilia.

Ora, se é verdade que o nosso Deus Se manifesta para todos, surpreende, porém, o modo como o faz. O Evangelho nos mostra um movimento de gente desencadeado em torno do palácio do rei Herodes, precisamente quando Jesus é designado como rei: «Onde está, perguntam os Magos, o rei dos judeus que acaba de nascer?» O encontrão, mas não onde pensavam: não no palácio real de Jerusalém, mas numa casa humilde de Belém.



Confundir a luz de Deus com as luzes do mundo


Segundo o Papa, “o mesmo paradoxo aparecera nos textos de Natal, quando o Evangelho falava do recenseamento de toda a terra no tempo do imperador Augusto e do governador Quirino. Mas, nenhum dos poderosos de então percebeu ter nascido, nos seus dias, o Rei da história. E mais tarde quando Jesus, pelos trinta anos, se manifesta publicamente, tendo João Batista como precursor, de novo o Evangelho nos proporciona uma solene apresentação do contexto: depois de elencar todos os «grandes» de então, tanto no poder secular como no religioso, Tibério César, Pôncio Pilatos, Herodes, Filipe, Lisânias, os sumos-sacerdotes Anás e Caifás, conclui: «a Palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto», ou seja, a nenhum dos grandes foi dirigida, mas a um homem que se retirara para o deserto. Eis a surpresa: Deus não sobe no palco do mundo para se manifestar.

Ao ouvir aquela lista de personagens ilustres, poderia vir a tentação de «fixar os holofotes» nelas. Poderíamos pensar: teria sido melhor se a estrela de Jesus aparecesse em Roma, na colina do Palatino, onde reinava Augusto sobre o mundo; todo o império teria se tornado cristão imediatamente. Ou então, se tivesse iluminado o palácio de Herodes, este poderia ter feito o bem em vez do mal. Mas, a luz de Deus não vai para quem brilha de luz própria. Deus propõe-se, não se impõe; ilumina, mas não ofusca. É sempre grande a tentação de confundir a luz de Deus com as luzes do mundo.


Levantar-se e prontificar-se a caminhar


Quantas vezes corremos atrás dos clarões sedutores do poder e da ribalta, convencidos de que prestamos um bom serviço ao Evangelho! Mas, assim, voltamos os holofotes para o lado errado, porque Deus não estava lá. A sua luz amável resplandece no amor humilde. Além disso, quantas vezes tentamos, como Igreja, brilhar de luz própria! Mas, não somos nós o sol da humanidade; somos a lua que, mesmo com as suas sombras, reflete a luz verdadeira, o Senhor: Ele é a luz do mundo. Ele…, não nós!

Francisco destacou que a luz de Deus vai para quem a acolhe. Isaías, na primeira Leitura, nos lembra que a luz divina não impede as trevas e o nevoeiro denso de cobrirem a terra, mas resplandece em quem está pronto a recebê-la. Por isso, o profeta dirige um convite, que interpela a cada um: «Levanta-te e brilhe».”

“É preciso levantar-se, isto é, erguer-se do próprio sedentarismo e prontificar-se a caminhar. Caso contrário, fica-se parado como os escribas consultados por Herodes, que sabiam bem onde nascera o Messias, mas não se moveram. Além disso, é preciso revestir-se de Deus – que é a luz – todos os dias, até que Jesus se torne a nossa vestimenta diária. Mas, para usar a vestimenta de Deus, que é simples como a luz, primeiro é preciso desfazer-se das roupas pomposas.”



Planejar um itinerário diferente


“Caso contrário, faz-se como Herodes, que preferia as luzes terrenas do sucesso e do poder à luz divina. Ao invés, os Magos realizam a profecia, levantam-se para serem revestidos de luz. E são os únicos que veem a estrela no céu: nem os escribas, nem Herodes, ninguém em Jerusalém a viu. Para encontrar Jesus, deve-se planejar um itinerário diferente, deve-se tomar outro caminho: o d’Ele, o caminho do amor humilde. E deve-se perseverar nele. De fato, na conclusão do Evangelho de hoje, diz-se que os Magos, tendo encontrado Jesus, «regressaram ao seu país por outro caminho». Outro caminho, diferente do de Herodes, distinto do caminho do mundo. Um caminho como o percorrido pelos que estão com Jesus, no Natal: Maria e José, os pastores. Eles, como os Magos, deixaram suas casas e tornaram-se peregrinos pelos caminhos de Deus. Com efeito, só encontra o mistério de Deus quem deixa os próprios apegos mundanos e se põe a caminho.”

Para Francisco, o mesmo vale para nós. Não basta saber onde nasceu Jesus, como os escribas, se não caminhamos até esse onde. Não basta saber que Jesus nasceu, como Herodes, se não o vamos encontrar. Quando o seu onde se torna o nosso onde, o seu quando o nosso quando, a sua pessoa a nossa vida, então cumprem-se em nós as profecias. Então Jesus nasce dentro e torna-se Deus vivo para mim.”

“Hoje, somos convidados a imitar os Magos. Eles não discutem, mas caminham; não ficam olhando, mas entram na casa de Jesus; não se colocam no centro, mas se prostram aos pés d’Ele, que é o centro; não se fixam nos seus planos, mas se prontificam a tomar outro caminho. Nos seus gestos, temos um contato estreito com o Senhor, uma abertura radical a Ele, um envolvimento total com Ele. Com Ele, usam a linguagem do amor, a própria linguagem que Jesus, ainda infante, já fala. De fato, os Magos vão até o Senhor, não para receber, mas para dar. Perguntemo-nos: no Natal, levamos algum presente a Jesus, pela sua festa, ou trocamos presentes apenas entre nós?”



Ouro, incenso e mirra


“Se fomos até o Senhor de mãos vazias, hoje podemos remediar. Com efeito, o Evangelho contém por assim dizer uma pequena lista de presentes: ouro, incenso e mirra. O ouro, considerado o elemento mais precioso, nos lembra que, a Deus, deve ser dado o primeiro lugar. Deve ser adorado. Mas, para isso, é preciso privar-se a si mesmo do primeiro lugar e considerar-se necessitado, não autossuficiente.”

“E aqui entra o incenso, que simboliza o relacionamento com o Senhor, a oração, que se eleva para Deus como perfume. Ora, como o incenso para exalar o seu perfume se deve queimar, assim também para a oração é preciso «queimar» um pouco de tempo, gastá-lo para o Senhor. Mas fazê-lo de verdade, e não só em palavras. A propósito de fatos, entra a mirra, unguento que seria utilizado ao envolver amorosamente o corpo de Jesus descido da cruz. Agrada ao Senhor que cuidemos dos corpos provados pelo sofrimento, da sua carne mais frágil, de quem ficou para trás, de quem só pode receber não tendo nada de material para retribuir.”

O Papa concluiu a homilia, dizendo que “é preciosa aos olhos de Deus a misericórdia com quem não tem para restituir, a gratuidade. Neste tempo de Natal que está para terminar, não percamos a ocasião para dar um lindo presente ao nosso Rei, que veio para todos, não nos cenários faustosos do mundo, mas na pobreza luminosa de Belém. Se o fizermos, resplandecerá sobre nós a sua luz”.




Via: Vatican News
Grifos: Sandra Regina Oliveira OFS

02/01/2019

Papa: A boa política está ao serviço da paz





Cidade do Vaticano: "A boa política está ao serviço da paz" é o tema da mensagem do Santo Padre para o 52° Dia Mundial da Paz a ser celebrado em 1° de janeiro de 2019. Eis o texto na íntegra:


A boa política está ao serviço da paz


1. «A paz esteja nesta casa!»

Jesus, ao enviar em missão os seus discípulos, disse-lhes: «Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: “A paz esteja nesta casa!” E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós» (Lc 10, 5-6).

Oferecer a paz está no coração da missão dos discípulos de Cristo. E esta oferta é feita a todos os homens e mulheres que, no meio dos dramas e violências da história humana, esperam na paz.[1] A «casa», de que fala Jesus, é cada família, cada comunidade, cada país, cada continente, na sua singularidade e história; antes de mais nada, é cada pessoa, sem distinção nem discriminação alguma. E é também a nossa «casa comum»: o planeta onde Deus nos colocou a morar e do qual somos chamados a cuidar com solicitude.

Eis, pois, os meus votos no início do novo ano: «A paz esteja nesta casa!»

2. O desafio da boa política

A paz parece-se com a esperança de que fala o poeta Carlos Péguy;[2] é como uma flor frágil, que procura desabrochar por entre as pedras da violência. Como sabemos, a busca do poder a todo o custo leva a abusos e injustiças. A política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem como serviço à coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e até destruição.

«Se alguém quiser ser o primeiro – diz Jesus – há de ser o último de todos e o servo de todos» (Mc 9, 35). Como assinalava o Papa São Paulo VI, «tomar a sério a política, nos seus diversos níveis – local, regional, nacional e mundial – é afirmar o dever do homem, de todos os homens, de reconhecerem a realidade concreta e o valor da liberdade de escolha que lhes é proporcionada, para procurarem realizar juntos o bem da cidade, da nação e da humanidade».[3]

Com efeito, a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam nele e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo. Se for implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de caridade.

3. Caridade e virtudes humanas para uma política ao serviço dos direitos humanos e da paz

O Papa Bento XVI recordava que «todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na pólis. (…) Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político. (…) A ação do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana».[4] Trata-se de um programa no qual se podem reconhecer todos os políticos, de qualquer afiliação cultural ou religiosa, que desejam trabalhar juntos para o bem da família humana, praticando as virtudes humanas que subjazem a uma boa ação política: a justiça, a equidade, o respeito mútuo, a sinceridade, a honestidade, a fidelidade.

A propósito, vale a pena recordar as «bem-aventuranças do político», propostas por uma testemunha fiel do Evangelho, o Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, falecido em 2002:

Bem-aventurado o político que tem uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel.

Bem-aventurado o político de cuja pessoa irradia a credibilidade.

Bem-aventurado o político que trabalha para o bem comum e não para os próprios interesses.

Bem-aventurado o político que permanece fielmente coerente.

Bem-aventurado o político que realiza a unidade.

Bem-aventurado o político que está comprometido na realização duma mudança radical.

Bem-aventurado o político que sabe escutar.

Bem-aventurado o político que não tem medo.[5]

Cada renovação nos cargos eletivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida pública constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito. Duma coisa temos a certeza: a boa política está ao serviço da paz; respeita e promove os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres recíprocos, para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações do presente e as futuras.

4. Os vícios da política

A par das virtudes, não faltam infelizmente os vícios, mesmo na política, devidos quer à inépcia pessoal quer às distorções no meio ambiente e nas instituições. Para todos, está claro que os vícios da vida política tiram credibilidade aos sistemas dentro dos quais ela se realiza, bem como à autoridade, às decisões e à ação das pessoas que se lhe dedicam. Estes vícios, que enfraquecem o ideal duma vida democrática autêntica, são a vergonha da vida pública e colocam em perigo a paz social: a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da «razão de Estado», a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio.

5. A boa política promove a participação dos jovens e a confiança no outro

Quando o exercício do poder político visa apenas salvaguardar os interesses de certos indivíduos privilegiados, o futuro fica comprometido e os jovens podem ser tentados pela desconfiança, por se verem condenados a permanecer à margem da sociedade, sem possibilidades de participar num projeto para o futuro. Pelo contrário, quando a política se traduz, concretamente, no encorajamento dos talentos juvenis e das vocações que requerem a sua realização, a paz propaga-se nas consciências e nos rostos. Torna-se uma confiança dinâmica, que significa «fio-me de ti e creio contigo» na possibilidade de trabalharmos juntos pelo bem comum. Por isso, a política é a favor da paz, se se expressa no reconhecimento dos carismas e capacidades de cada pessoa. «Que há de mais belo que uma mão estendida? Esta foi querida por Deus para dar e receber. Deus não a quis para matar (cf. Gn 4, 1-16) ou fazer sofrer, mas para cuidar e ajudar a viver. Juntamente com o coração e a inteligência, pode, também a mão, tornar-se um instrumento de diálogo».[6]

Cada um pode contribuir com a própria pedra para a construção da casa comum. A vida política autêntica, que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais. Uma tal confiança nunca é fácil de viver, porque as relações humanas são complexas. Nestes tempos, em particular, vivemos num clima de desconfiança que está enraizada no medo do outro ou do forasteiro, na ansiedade pela perda das próprias vantagens, e manifesta-se também, infelizmente, a nível político mediante atitudes de fechamento ou nacionalismos que colocam em questão aquela fraternidade de que o nosso mundo globalizado tanto precisa. Hoje, mais do que nunca, as nossas sociedades necessitam de «artesãos da paz» que possam ser autênticos mensageiros e testemunhas de Deus Pai, que quer o bem e a felicidade da família humana.

6. Não à guerra nem à estratégia do medo

Cem anos depois do fim da I Guerra Mundial, ao recordarmos os jovens mortos durante aqueles combates e as populações civis dilaceradas, experimentamos – hoje, ainda mais que ontem – a terrível lição das guerras fratricidas, isto é, que a paz não pode jamais reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do medo. Manter o outro sob ameaça significa reduzi-lo ao estado de objeto e negar a sua dignidade. Por esta razão, reiteramos que a escalada em termos de intimidação, bem como a proliferação descontrolada das armas são contrárias à moral e à busca duma verdadeira concórdia. O terror exercido sobre as pessoas mais vulneráveis contribui para o exílio de populações inteiras à procura duma terra de paz. Não são sustentáveis os discursos políticos que tendem a acusar os migrantes de todos os males e a privar os pobres da esperança. Ao contrário, deve-se reafirmar que a paz se baseia no respeito por toda a pessoa, independentemente da sua história, no respeito pelo direito e o bem comum, pela crihistória, no respeito pelo direito e o bem comum, pela criação que nos foi confiada e pela riqueza moral transmitida pelas gerações passadas.

O nosso pensamento detém-se, ainda e de modo particular, nas crianças que vivem nas zonas atuais de conflito e em todos aqueles que se esforçam por que a sua vida e os seus direitos sejam protegidos. No mundo, uma em cada seis crianças sofre com a violência da guerra ou pelas suas consequências, quando não é requisitada para se tornar, ela própria, soldado ou refém dos grupos armados. O testemunho daqueles que trabalham para defender a dignidade e o respeito das crianças é extremamente precioso para o futuro da humanidade.

Um grande projeto de paz


Celebra-se, nestes dias, o septuagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada após a II Guerra Mundial. A este respeito, recordemos a observação do Papa São João XXIII: «Quando numa pessoa surge a consciência dos próprios direitos, nela nascerá forçosamente a consciência do dever: no titular de direitos, o dever de reclamar esses direitos, como expressão da sua dignidade; nos demais, o dever de reconhecer e respeitar tais direitos».[7]

Com efeito, a paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:

- a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e – como aconselhava São Francisco de Sales – cultivando «um pouco de doçura para consigo mesmo», a fim de oferecer «um pouco de doçura aos outros»;

- a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado..., tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo;

- a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro.

A política da paz, que conhece bem as fragilidades humanas e delas se ocupa, pode sempre inspirar-se ao espírito do Magnificat que Maria, Mãe de Cristo Salvador e Rainha da Paz, canta em nome de todos os homens: A «misericórdia [do Todo-Poderoso] estende-se de geração em geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes (...), lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre» (Lc 1, 50-55).


Vaticano, 8 de dezembro de 2018.


FRANCISCUS

________________________

[1] Cf. Lc 2, 14: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado».

[2] Cf. Le Porche du mystère de la deuxième vertu (Paris 1986).

[3] Carta ap. Octogesima adveniens (14/V/1971), 46.

[4] Carta enc. Caritas in veritate (29/V/2009), 7.

[5] Cf. «Discurso na Exposição-Encontro “Civitas” de Pádua»: Revista 30giorni (2002-nº 5).

[6] Bento XVI, Discurso às Autoridades do Benim (Cotonou, 19/XI/2011).




Via: Vatican News
Foto/Imagem: Google Busca/Issoeotimo

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